Jogar na grama de Wimbledon será ainda mais desafiador para Thomaz Bellucci dessa vez. Duas semanas antes do terceiro Grand Slam da temporada, o tenista número 1 do Brasil anunciou o término do trabalho com o treinador gaúcho João Zwestch. Foram dois anos e meio de trabalho interrompidos “por questões logísticas”, de acordo com eles.
De 2007 a 2014, Bellucci teve sete treinadores entre brasileiros e estrangeiros. Foi a paciência de Zwetsch, capitão do Brasil na Copa Davis, que fez o tenista permanecer com o técnico por dois anos e meio. Estagnado no ranking e sem soluções para o problema fisiológico que afeta o jogo do brasileiro desde sua adolescência, a mudança veio após o Grand Slam de Roland Garros, em junho.
Quem estará no box do número 55 do mundo durante a estreia na grama de Wimbledon é o brasileiro Eric Gomes, segundo “treinador” de Bellucci há quase quatro anos. Tenista aposentado, o inexperiente Gomes não teve sucesso na carreira profissional e optou por seguir como treinador. Questionado pelo GloboEsporte.com sobre o próximo nome que trabalhará com Bellucci, Gomes disse que o tenista tem o futuro incerto:
– Não sei te dizer e nem o Thomaz sabe. (Ele) não tem nenhum nome em mente. O próximo passo é alguém que tenha experiência no circuito. O Thomaz, nesse momento, precisa de alguém que consiga motivá-lo para tirar o tênis que joga. A busca é deixá-lo feliz. Que ele acorde feliz sabendo que ele vai treinar. Que ele durma feliz depois de um tipo de treino – afirmou o “braço direito” de Bellucci.
Profissional desde 2005, Bellucci vive uma temporada de altos e baixos. Atingiu a final no ATP 250 de Houston, em abril, mas não conseguiu outros resultados de peso. No Brasil, voltou a sofrer com os problemas fisiológicos. Tinha chave favorável para fazer semifinal no Rio, mas caiu nas oitavas para Thiago Monteiro. O resultado foi ainda pior em São Paulo. Irreconhecível, perdeu por 6/2 e 6/0 para o argentino Diego Schwartzman, 44º da ATP.
Quando saiu de quadra, falou que precisava reencontrar a motivação. Não quis dar desculpas e contar o que estava acontecendo. Ao GloboEsporte.com, ele revelou que, de fato, não estava nada bem. Jogou com intoxicação alimentar e, de madrugada, havia levado a esposa no hospital pela mesma razão. Mas desistir, em casa, não era uma opção.
– Eu estava um pouco de cabeça quente. Sempre quando jogo em São Paulo são partidas muito emocionais mais do que técnicas. Sempre no Brasil o desgaste mental é maior. Você entra com uma expectativa grande. No dia anterior estava com intoxicação alimentar. Para mim, naquele momento foi muito frustrante de não render tudo o que eu podia. Sempre quando você tá dentro de casa quer dar o seu 100%. Você nunca espera que vai entrar na quadra para tomar um 6-2 e 6-0 como foi. Fiquei muito triste, sem muita motivação de seguir jogando, mas isso tudo passa. Seria difícil para mim desistir de um jogo com a família, com os amigos e torcida perto – afirmou o tenista.
O garoto quieto de Tietê não esperava se tornar um dos maiores tenistas brasileiros da história. Alcançou o posto de número 21 do mundo, conquistou 4 títulos de ATP e derrotou grandes nomes como Andy Murray, atual número 1 do mundo.
As primeiras raquetadas de Bellucci foram dadas na grama. Não nas quadras de tênis. A trajetória do número 1 do Brasil começou no futebol society. A rede era improvisada de barbante e tudo não passava de uma brincadeira. O pai Ildebrando resolveu adaptar o campo de futebol para uma quadra de tênis. Só no início, claro. Hoje, não tem mais brincadeira, ele disputa o torneio de Wimbledon pela sétima vez na carreira.
– Tem uma história até engraçada. A gente morava em São Paulo, mas meu pai tinha uma chácara em Tietê e íamos todos os finais de semana. Só que era uma chácara que tinha uma quadra de futebol. Então, a gente jogava… Ele, na verdade. Eu era muito pequeno. Mas, depois de um tempo, que ele ficou um pouco mais velho, teve um amigo dele que falou “Pô, vamos começar a jogar tênis?”. E ele transformou em uma quadra de tênis. Foi aí que a gente começou a praticar tênis – disse o número 1 do país ao GloboEsporte.com em 2016.
Com um grande potencial, veio a cobrança na mesma intensidade. Bellucci foi vaiado aqui no Brasil. Não só uma vez. Aquele menino que queria só viver de tênis passou ao posto de melhor tenista do país. Tornou-se o segundo brasileiro mais bem ranqueado da história, só atrás de Guga. Levou o Brasil de volta ao Grupo Mundial da Copa Davis e ainda chegou às quartas de final das Olimpíadas. Não jogava mais por si. Jogava por todo um país, mesmo sem pedir para isso.
– Ele é um cara muito tímido, na dele. Eu sou tímido, mas eu brinco que o Thomaz é um bicho do mato. Ele é pior que um cara tímido. É desafiador para ele essa glória. A molecada ir lá pedir autógrafo para ele. Ele faz força para lidar com isso. Ele se fecha no mundo dele para se concentrar e as pessoas pensam o que elas querem. Tenho uma filha de 2 anos, ela fala “vai, tio Thomaz”, ele fica sem graça, não sabe lidar. No máximo, dá aquelas risadas – disse Gomes, “braço direito” do canhoto paulista.
Aos 29 anos, Bellucci tenta não se abalar com as críticas, principalmente na internet. Minutos depois de uma derrota, sua página já tem dezenas de comentários negativos. Ainda mais se for de virada.
– Acaba que eu não acompanho muito. Tem que lidar com isso. As pessoas vão sempre criticar se você está bem ou mal, as pessoas não vão entender isso nunca. Sempre vão cobrar resultado. Essas pessoas não sabem o que acontecem, então não as culpo. – afirmou o número 55 do mundo.
Há um ano, a relação da torcida com o brasileiro mudou totalmente. Nas Olimpíadas, Bellucci inflamou a torcida e cresceu em quadra. Um episódio que ficaria em sua carreira não só pelo resultado, mas pela atitude.
As cenas do Parque Olimpíco foram fruto de um longo trabalho de “inteligência emocional” com o “coach” Douglas Maluf que iniciado em fevereiro de 2016, antes do evento mais importante da carreira de Bellucci. Ao GloboEsporte.com, Maluf revelou que o trabalho que rendeu tanto resultado foi interrompido logo após o evento.
– Ele é um cara que não gosta de aparecer, até por timidez. Às vezes, isso causa uma impressão distorcida. A meta era ser um novo Thomaz nas Olimpíadas, do que as pessoas julgam ou achavam ser. O objetivo era deixá-lo confortável em jogar no Brasil com pressão interna, público, patrocinadores, sabendo de todo julgamento que sabia de episódios anteriores na Copa Davis. É uma disciplina fora do comum, é muito incomum ver a entrega que ele tem, para o esporte, para o tênis. O nível de determinação desse cara é um absurdo. O trabalho foi interrompido. É difícil para falar o porquê. Não estou tão em contato com ele – disse Maluf.
Casado desde dezembro, Bellucci já se encaminha nos últimos anos na carreira. Até para quem é próximo, é um enigma decifrá-lo por completo. Um desafio para os fãs e, principalmente, os treinadores.
– Dentro de quadra, ele fica até sem olhar para nós porque ele prefere se manter lá concentrado. Se ele se desconcentra, ele perde 2/3 games e perde o set. Ele precisa ficar lutando para ficar com isso. A ideia dele é essa. As pessoas falam que deu um apagão. Ele faz força para isso, para lidar (com a glória). Ele se fecha no mundo dele para se concentrar e as pessoas pensam o que elas querem – contou o segundo treinador, Eric Gomes.
Fonte: Sport TV